O Oscar já passou faz tempo, porém, nunca é tarde pra avaliar um pouco dos candidatos à premiação. Segue abaixo, o que o As Dobras achou dessa filmarada toda.
Dobremos!
My Week With Marilyn
Sensibilidade é mais importante que caracterização.
Eu sou um fã Dawsoncreekiniano de Michelle Willians. Sempre ficou claro que a moça era o membro mais forte daquele elenco, e foi só ela sair da série, para conseguir, mesmo tão jovem, duas indicações ao Oscar que veteranas lutam até hoje pra conseguir. No entanto, mesmo com toda essa admiração, eu temi quando a terceira indicação saiu por esse My Week With Marilyn, onde a atriz teria nas mãos uma tarefa considerada quase impossível pela crítica: representar um dos maiores ícones hollywoodianos da história. Temi porque Marilyn tinha detalhes demais sobre si mesma, difíceis de acoplar sem que parecessem falsos demais. Muitas já tentaram... Nenhuma tinha conseguido. Bom... Até aqui.
E a receita era muito simples: sensibilidade.
Michelle não tem o corpo de Marilyn (onde enchimentos precisaram fazer seu papel), nem o rosto de Marilyn, e nem é conhecida como um símbolo sexual. Sempre aparece lá, nas premiações, com aquela carinha de doente, branca e frágil como uma lesma. Parecia impossível que desse certo...
Basta uma aparição e ela já convence imediatamente. Muito disso se deve também ao roteiro impecável, a direção segura e delicada e ao elenco coadjuvante simplesmente brilhante (encabeçado pelo soberbo Kenneth Branagh, junto de Emma Watson, Judi Dench e Eddie Redmayne). Michelle está tão magnífica que eu me arrebatava a cada cena. E para os que conhecem e gostam da trajetória da atriz, cada momento de sua vida, transposto tão seriamente para a tela, é como um profundo deleite. Dá uma vontade imensa de ver a Marilyn de Michelle em outras situações de sua tão curta vida.
Tá tudo ali. O conhecimento da própria capacidade de poder, a Marilyn ícone em conflito com a Marilyn mulher, a contradição entre sua ignorância profissional e o poder de sua imagem na tela, as pílulas, Paula Strasberg, Arthur Miller, as poses, os flashes, o temperamento... É fantástico! Simplesmente fantástico!
Logo após assistir ao filme, ainda profundamente comovido, abri uma das biografias dela que contém várias fotos. Uma em particular, em que a vemos ao lado de Miller num pose em frente a ponte do Brooklyn em Nova Iorque, é a perfeita representação da criação de Michelle Willians. Fiquei um tempão olhando para aquela foto... A ligação com ela ainda maior. As sensações sobre ela, mais fortes.
Esse é um filme que esbanja emoção e competência. Michelle é uma diva.
E a academia, mal cheirosa como nunca.
Amanhecer – A Saga Crepúsculo / Parte 1
O que me fascina são os extremos.
Dois grupos de analistas a respeito da Saga Crepúsculo: para o extremo da paixão, os amantes da história de amor e superação. Para o extremo da ojeriza, os que repetem o discurso da ridicularização. No meio, poucos equilibrados, que nem entendem a literatura de Meyer como bíblia e nem como lixo. É apenas um livro que conta uma história. Só isso.
Sempre tenho vontade de ter o poder de reverter polaridades só pra ver o que acontece. Talvez, se Crepúsculo não fosse um fenômeno, ele não fosse tão odiado. Ou melhor ainda, não haveria tanta necessidade de odiá-lo. Pelo menos 60% das pessoas que odeiam, nem mesmo leram, o que é um sinal CLARO de repetição de discurso. Tudo que ganha a massa, perde em respeito erudito, como se o que o povo aprova, tivesse que imediatamente parecer menos digno. E nessa dança, até Harry Potter, que começou a ter sua existência mais “perdoada” por esse mesmo setor crítico, depois que Crepúsculo começou a aparecer por aí.
De fato, quem tiver a honestidade de ler os livros, vai ver que é uma história ruim, contada de uma maneira muito elegante. E quando digo ruim, não me refiro à mitologia, já que qualquer autor pode ter a sua, mas ao fato de Meyer ter uma necessidade tendenciosa de incutir seus valores religiosos na trama, conseguindo com isso, reacender reacionarismos como a importância da virgindade e a submissão da mulher. O maior problema do livro é Bella, e sua incapacidade de ser um ser humano com individualidade, que não vê um homem como muleta para a vida. Fora isso, Meyer é tão escritora quanto qualquer outro autor comercial que vemos por aí, daqueles que se preocupam só em contar uma historia, sem atenção a sutilezas, metáforas e analogias. Como é Sidney Sheldon, Agatha Christie, Michael Crichton, Robin Cook e por aí vai. Ela é correta, sabe criar expectativas e trabalha outras questões importantes e positivas, como a tolerância e aceitação.
Então porque a repulsa? Porque a cara retorcida quando se fala na Saga? Porque o incômodo quando se ouve um elogio, como se só a palavra “Crepúsculo” já ferisse os ouvidos? Eu não compreendo esses exageros... Quando eles vêm, a rejeição deixa de ter um caráter objetivo e começa a parecer marketing pessoal, como se a careta, a repulsa e o incômodo, fossem produtos de uma superiorização. Meyer tem problemas de conceito, mas é uma escritora. Não se pode negar. É uma opção de cada um não abrir o livro, mas não acho certo e nem justo, agir como se ao vê-lo aberto nas mãos de outrem, isso significasse o menor, o menos culto.
Dito isso (não resisto ao debate a respeito da insuflagem da Saga), vamos ao filme, que fui assistir no dia 29 de Dezembro de 2011, no último dia, na última sessão. Tudo para fugir dos gritos.
Amanhecer é a melhor parte da Saga, não porque é a última, mas porque é a que fala da história, de verdade. Em Crepúsculo conhecemos o amor insano e inadequado de Bella e o livro é só sobre isso. Em Lua Nova, esse amor se reafirma e conhecemos Jacob. Em Eclipse, Meyer enrola os leitores com um flerte mal acabado acerca da mitologia dos vampiros e dos lobos. É só em Amanhecer, quando esses valores mórmons já estão estabelecidos, que ela se concentra na trama que construiu.
O filme é bem estranho... Tem decisões ruins, como minimizar as sequências do parto para não aumentar a classificação, mas está longe de ser chato. Tem uma trilha sonora inspiradíssima, com grandes nomes alternativos (prova de que não sou só eu o único equilibrado do mundo) e sequências interessantes.
O diretor não se decide muito pra que lado vai. Ao mesmo tempo em que se apega a classicismos bizarros (como o sonho risível de Bella), resolve usar tecnologias opositoras (como na cena do veneno correndo pelo corpo da mocinha). É brutal na aparência que dá para Kristen Stewart, mas retrata o parto com uma bobagem cinematográfica que se resume a borrões e closes.
Mesmo assim, o filme divide bem os sentimentos de Bella, Edward (bem, pela primeira vez) e Jacob, e assim como faz o livro, estabelece corretamente os efeitos dos acontecimentos em cada um deles.
A última cena, com a transformação de Bella é a maior catarse do longa, e também o início da parte que mais me interessa, que é ver a adaptação da novata no mundo vampiresco. Assim, Amanhecer Parte 1 é um bom começo para o grand finale, onde os condutores terão uma boa oportunidade de encerrar esse fenômeno com a merecida dignidade.
Biutiful
O já consolidado cinema que vende o belo no feio.
O mais recente filme de Inarritu reúne dois grandes polos de competência no cenário cinematográfico mundial: diretor de dor e ator que sente a dor. O ator no caso é Javier Bardem, que já faz tempo que vestiu aquele rótulo de infalível, unindo-se ao time onde já estão Meryl Streep, Jack Nicholson, Fernanda Montenegro, Wagner Moura, Selton Mello e por aí vai. Gente que nunca erra, mesmo quando erra.
Em Biutiful o diretor não deixa de trabalhar com o sujo, indo dessa vez, ao extremo desse conceito, escolhendo uma Barcelona repulsiva para ambientar sua história. Barden vive um pai de família que para criar os filhos, recorre a meios ilegais para ganhar dinheiro, além de exigir pagamento para exercer o dom de falar com os mortos.
Pela sinopse já dá pra saber o que vem pela frente. Muitos planos que tentam poetizar o caos, muitos closes em lágrimas, suor e fumaça de cigarro, um roteiro absurdamente pessimista e infeliz, uma narrativa entrecortada que aqui nem se faz tão necessária e uma produção que pretende nada mais nada menos que reafirmar as qualidades da arte visceral como condutor de importância.
Biutiful é belo. Tem boas escolhas dramatúrgicas – como em todo filme de Inarritu, não é entediante – e um time de atores acertadíssimo. O problema é que eu não consigo mais me envolver nessas recorrências autorais. Em todo o filme, a única ousadia que consigo reconhecer é a maneira como o protagonista vislumbra os espíritos que o cercam: grudados ao teto, estáticos, com expressões terríveis. De resto, só as mesmas conceituações a respeito da pobreza, da incomunicabilidade e da dor.
Billy Elliot
Os brutos também dançam.
Filmes de superação não são nenhuma novidade. São deficientes que viram atletas, pobres que enriquecem, ricos que se humanizam, losers que conquistam a princesa... Uma infinidade de histórias que começam sempre naquele mesmo lugar.
O que faz Billy Elliot valer a pena é algo que independe de um bom roteiro ou boa direção: carisma. Até porque, em termos de roteiro o filme é uma bobagem. Repete todos os tópicos da apostila: garoto pobre, paixão pelo impróprio, família contra, mentor que inspira mas é rígido, melhor amigo frágil, resistência inicial, e por aí vai. E a direção não fica atrás, só confirma esses tópicos: narrativa dividia entre sequências de resistência ao sonho, sequências de tempo passando enquanto evolui o aprendizado, sequências da família entendendo o talento e clímax com competição iminente. Tudo absolutamente dentro do esperado.
A questão é que enquanto alguns filmes sabem usar essas ferramentas, outros não. E Billy Elliot sabe e muito. O trabalho do jovem protagonista é boa parte do sucesso. Mas temos também o melhor amigo irresistível e a maneira sensível e correta como decidiram lidar com essa interação. Temos o pai e o irmão criveis como poucos. Temos o casamento perfeito de expectativa e retorno. A única coisa que eu criticaria com veemência é a cena final, que não faz jus ao que esperávamos ver a respeito da ciência da família de Billy sobre seu sucesso. Fora isso, é daqueles filmes em que você torce, vibra, sorri e chora.
Super 8
A melhor história de amor entre o cinema e ele mesmo.
Não dá pra falar muito sobre Super 8 e não acabar perdendo o bom senso. Até porque, perdemos sempre o bom senso quando falamos daquilo que nos apaixona. E esse filme é isso, paixão total, pra falar de paixão, enquanto se fala de paixão.
J.J Abrams é daqueles cineastas que confirmam a criação de Dawson Lerry. Ser um garoto louco por cinema, pode gerar um cineasta. E uma vez que se quer muito uma coisa, entende-se dela como ninguém. Não, Super 8 não é um filme sobre alienígenas, é um filme sobre o sonho e sobre como ele se impregna de maneira fantástica na realidade.
A inspiração em Spielberg virou parceria. Aquela atmosfera de amizade que vimos em ET e Os Gonnies, e que Kevin Willianson reproduziu tão bem em Dawson’s Creek, está toda ali. Garotos de cidade pequena, fazendo um filme para um festival, lidando com a magia (alô, zumbis) do cinema para assim escaparem da irrelevância da vida.
O filme sobre uma reviravolta quando sem querer, o grupo registra com sua super 8, um acidente de trem que guarda em um dos vagões, um segredo maciço. Aí então, J.J. toca em suas origens científicas, sempre atraídas pelo fantástico, pelo que não é terreno. A junção não poderia ser mais sedutora e irresistível. O filme é um desfile de atuações tocantes (o grupo de garotos é um acerto total), tem um roteiro ágil, uma condução impactante e um final comovido que parece chorar com o espectador.
É um filme para quem ama o cinema. Para quem não faz juízo de valor. Para quem entra numa sala para contemplar a magia e não para debochar dela. É um filme de catarse. E a catarse não é crítica. Não vá assisti-lo se o cinema é pra você, unicamente uma ferramenta de absorção erudita. Não vá assisti-lo se o cinema é pra você, um altar de apreciação intelectual. Super 8 é para os que têm a inteligência do sonho... E não querem perde-la para o cinismo.
Glee – O Filme
Quando eles cantam, é o de menos.
Por causa de uma distribuição péssima, o filme da série Glee não chegou aos cinemas mais próximos daqui de Rio das Ostras. O resultado foram alguns fãs frustrados e outros enfurecidos, como eu. Passado o período de luto, lá fui eu me contentar com a TV e vislumbrar essa que eu achava que seria uma grande edição musical.
Primeiro engano. Glee 3D não é um show filmado, não é um episódio da série, não é um documentário. Também não sou capaz de dizer o que ele é, mas posso dizer que tudo funcionou muito pra mim.
O elenco todo é ótimo. As canções são incríveis, mas todas elas, sem exceção, já ouvimos nos episódios. Então, cantar, não é lá a grande expectativa da película. Por isso, o que de melhor temos em Glee 3D é a costura dramatúrgica advinda dos já conhecidos conceitos de superação da série.
Bem no tom megalomaníaco de Ryan Murphy, o filme é também uma longa homenagem a si mesmo. Espalhados pelos poucos 75 minutos de projeção, vários depoimentos de fãs do lado de fora dos estádios, tudo apoiado pelas ótimas histórias que vemos sendo contadas e que parecem mesmo, ser parte da vida real. Uma jovem anã que é líder de torcida e consegue ir ao baile com um garoto alto. Uma garota com síndrome de asperger que através da série consegue começar a se socializar e um garoto gay que foi obrigado a sair do armário depois que todos na escola leem seu diário.
Com essa decisão meio documental, Murphy conseguiu imprimir as caraterísticas da série no filme e ainda continuar a passar essa mensagem de superação. Tudo sem drama, com bom humor, agilidade e segurança. Entre um e outro pedaço das histórias, um número musical. E entre um e outro número musical, ótimos momentos do elenco nos bastidores.
Me dá um pouco de aflição ver os atores dentro daqueles personagens durante todo o tempo do filme e da turnê. Sendo chamados pelos nomes dos personagens em todas as situações e revivendo cenas no palco. Mesmo assim, exatamente por conta disso, temos momentos impagáveis, como os de Britanny e Rachel (a cena com o anúncio da possibilidade de Barbra Streisend na plateia é antológico). Glee 3D acaba sendo uma celebração ao programa de TV, e uma honrada investida para a ampliação do espírito positivista do mesmo.
O fã clube brasileiro da série está fazendo uma petição no twitter para tentar a viagem da Glee Tour para o Brasil. Se pudermos ver essa mágica de perto, será como estar dentro daquele filme. Então vai lá, assina e torce. No intervalo, dá uma repetida no final do filme, que se encerra com Loser Like Me (única canção original bacana) e é capaz de fazer qualquer um pular na sala.
Bruna Surfistinha
Bruna é ótima, mas só quando é a Raquel Pacheco.
De modo algum o longa metragem que adaptou o livro da garota de programa mais famosa do país é chato. Há algo de instigador em acompanhar a trajetória desse tipo de figura. O problema todo é que esqueceram que era a vida da Raquel e decidiram contar a vida de qualquer prostituta por aí.
Em todas as entrevistas que dá, Raquel Pacheco faz questão de dizer que sempre esteve consciente do que fazia, sempre soube que fazia porque gostava de dinheiro e de sexo, e sempre soube que tinha condições plenas de ter ido por outro caminho, se quisesse. E é isso que mais gosto na moça. A prostituição para ela, funcionava não como uma última opção para sobrevivência, mas como uma ferramenta filosófica. Sim, exatamente isso, uma ferramenta filosófica. E que acabou resultando num dos blogs mais bacanas da história. Raquel tinha uma inquietude perante a vida que não era sua (era filha de pais adotivos) e refletiu essa inadequação em um comportamento transgressor limítrofe.
Tá pensando que esse pzisismo aparece no filme? Nem um pouco. O livro sofreu mais do que cortes, sofreu licenças. A Raquel de uma esforçada Débora Secco é vitimizada, e o papel de vítima não combina com Bruna Surfistinha.
Sob esse aspecto o filme é pífio. Mas não deixa de ser uma interessante diversão.
Deixe-me Entrar
Lidar com mitos é pra quem pode.
E Deixe-me Entrar, pode.
Pra começar eu devo dizer que não assisti o original (alemão, eu acho). Por isso, minha visão sobre o filme tem um aspecto único. Acredito que os atores, por exemplo, da outra versão, possam fazer toda a diferença nas impressões. Aqui na versão americana eles são bons, mas sabe como é o americano, quer sempre ganhar uma boa grana.
Por isso, Deixe-me Entrar reúne elementos importantes da “fantasia” hollywoodiana, mas faz isso com elegância e não compromete a integridade do filme.
A história é simples: um menino loser, que vive sofrendo bullying do ator que fez o filho do Jack em Lost, redescobre valores de amizade quando conhece a nova vizinha, uma menina um pouco estranha, que se muda com o pai para o mesmo prédio. O problema é que a escuridão e frieza do filme logo nos avisam que algo está por vir, e a menina rapidamente apresenta características ameaçadoras.
O vampirismo da menina já é anunciado em todo o material de divulgação do filme, mas como ela mesma diz precisa de sangue para viver e isso resume tudo. Esse descompromisso em afirmar nomenclaturas e repetir as mesmas previsibilidades de uma trama de vampiros, é o maior charme da dramaturgia, que é limpa, sinuosa, não faz drama e nem alarde.
E as regras estão lá: não poder ficar exposto ao Sol, não poder morder sem matar para que outros não sejam transformados, não poder entrar sem ser convidado... E a menina avisa: não sei porque é assim, mas é. Aos poucos vamos entendendo as motivações dela em se aproximar do garoto, que conseguiu como uma única amiga em toda vida, uma predadora.
Um filme extremamente elegante e que respira uma originalidade acerca do tema que é irresistível. Se eu já curtia o trabalho do diretor Matt Reeves em Cloverfield, já posso dizer que o moço entende do riscado.
Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2
David Yates encerra com louvores a saga do personagem literário mais relevante do cenário mundial nos últimos anos.
Quando Chris Colombus recebeu nas mãos a importante missão de levar às telas o primeiro livro da série de JK Rowling, ele provavelmente não acreditava na capacidade que a saga teria de conquistar também o cinema. A critica não recebeu bem o infantilismo com que a adaptação apresentou o bruxinho aos que não pretendiam ler o livro. Harry Potter e a Pedra Filosofal foi escrito para crianças, mas era cheio de mistérios e coisas assustadoras. Foi apenas com Guilhermo Del Toro em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban que as portas para a verdadeira essência da obra de Rowling foram abertas. A escuridão e o medo foram incorporadas à adaptação.
A esperada última parte acabou sendo dividida em duas, para alegria dos fãs, e o que pudemos ver em julho, foi a despedida cinematográfica mais respeitosa do cinema atual. A grandiosidade desse respeito se compara apenas ao que vimos em O Senhor dos Anéis. O tamanho da importância desses filmes fica ainda maior quando pensamos que foram oito filmes, dez anos e muito trabalho mantendo o mesmo impressionante elenco fixo, que cresceu ao mesmo tempo que os espectadores.
As poucas licenças dramáticas feitas pelo diretor desde Harry Potter e o Cálice de Fogo (quando assumiu) não prejudicaram em nada o universo do personagem e algumas vezes, ajudaram a criar as expectativas necessárias para os que não conheciam os livros.
Essa parte 2 é tão tensa, mas tão tensa, que não dá pra respirar. Os momentos mais importantes estão lá em toda sua força e Daniel Radcliff além de muito bonito, conseguiu finalmentemalmentear todas as dores e angústias do de Harry.
O último livro, um desbunde de competência de Rowling, tem só um problema: o final que não condiz com a trajetória trágica do personagem. Até a cena da estação, tudo é de uma coerência fora do comum, mas as cenas posteriores também refletem o compromisso da escritora com os fãs. O filme, exatamente porque respeita o livro, também tem nessas sequências a sua maior fraqueza. Yates preferiu não dar muita vazão à carga emocional provocada pelas mortes de Fred e Lupin (para não prejudicar a ação, diga-se bem), mas com isso, Dobby, que quase não apareceu nos outros filmes, acabou tendo mais apelo emocional quando se despediu no final do filme anterior.
Mesmo assim, tivemos um espetáculo para apreciar digno do Oscar que até hoje a academia não deu. Harry Potter mudou a minha vida, me alegrou por uma década e saiu imaculado do cenário artístico mundial.
Rango
Lagarto esquizofrênico é engraçadinho, mas não salva o filme do roteiro fraco.
O trailer de Rango nos enche de expectativas, mas depois de meia hora de filme, você percebe que nada vai acontecer de tão cool assim. A história é previsível, o carisma de Rango é discutível, os coadjuvantes são assustadores e o filme é incrivelmente longo para uma animação. A principal qualidade da produção é justamente o fato dela ser meio asquerosa. Meio nojenta. Com aqueles moradores sujos, cuspindo, babando, durante o filme todo. Um exemplo do completo descompromisso da audiência com os pequenininhos é o pesadelo de Rango, com cactos virando chocalhos de cascavel e outras metáforas medonhas de assustar qualquer criancinha. Vale pelo critério, mas você não perde nada se não vir.
O Ritual
Anthony Hopkins expulsa o capiroto em filme que você não daria nada pela capa, mas que dá um medão do caramba.
Era pra eu ter visto esse filme no cinema. Fui duas vezes e não consegui. Acabei locando, mas não perdi o impacto dessa história “real” que nos apresenta um exorcista nada convencional. Hopkins vive um padre experiente em colocar o cramunhão pra correr, e fica incumbido de ensinar as técnicas para um cético colega. Os diferenciais desse filme são muitos, mas o momento chave pra entender isso é na cena em que Hopkins faz o primeiro ritual, que ele interrompe no meio para atender o celular. O clima do filme é ótimo, tenso, tudo fica em suspenso. A atriz que faz a possuída grávida é ótima e as duas facetas de Hopkins são irresistíveis. O roteiro não é muito original, mas conduz o espectador com coerência, em meio a uma direção acertada que privilegia o psicológico e não o susto. E ainda temos Alice Braga dando o ar da graça muito competentemente.
Demônio
Se você é um demônio ocupado, não vá de escadas. Vá de OTIS.
M.Night Shyamallan é um diretor que eu adoro, mas que admito que não vai bem das pernas. Desde de A Vila que ele começou uma espiral de fracassos que chegou ao seu apogeu com O Último Mestre do Ar. Agora, ele começou uma nova fase, voltando ao terror e suspense que o consagrou, com a primeira parte de uma trilogia chamada As crônicas da noite. Demônio conta a história de um grupo de pessoas presas num elevador que está habitado pelo diabo em pessoa. Dentre os cinco, um é o dito cujo disfarçado.
O clima do filme é ótimo! O roteiro se apoia numa lenda latina que ajuda a história a ganhar seriedade e o elenco é muito digno. A expectativa sobre a identidade do capiroto torna a revelação ainda mais intensa, e o bom texto contribui para a catarse do momento. Ainda não sei se as próximas duas crônicas terão conexão com essa, mas a estreia foi bem divertida. Shyamallan não dirige o filme, mas “Demônio” é sem dúvida, um dos melhores filmes de terror dos últimos anos.
O Discurso do Rei
Fuck... Fuck... Fuck... Oscar!Oscar!Oscar!
Hollywood adora os filmes de superação. É o maior dos clássicos. Está por toda parte. Já tivemos o criminoso que finge ser policial e acaba ajudando a polícia, já tivemos o policial que finge ser professor e muda a vida dos alunos, já tivemos a cantora de boate que finge de freira e agita as estruturas de um convento, já tivemos a menina que não sabe dançar e desabrocha num concurso, já tivemos o garoto que se torna um homem de 30 anos magicamente e com isso melhora a vida dos adultos em volta. Já tivemos a mãe que vira a filha e percebe coisas inesperadas e já tivemos o contrário. já tivemos a superação em todas as vertentes possíveis. Em todos os casos, sem exceção, a estrutura do roteiro é a mesma: a dificuldade do início, quando a dinâmica personagem-problema e personagem-solução precisa ser estabelecida. Depois, temos sempre os cortes rápidos que mostram como essa dinâmica começa a funcionar. Tudo para então, termos o obrigatório momento em que essa dinâmica é interrompida por alguma revelação. Geralmente a revelação diz respeito ou ao segredo do personagem-problema (sou um garoto de 13 num corpo de 30, por exemplo) ou ao personagem-solução (não sou um professor de primário de verdade, por exemplo), mas o momento segue-se sempre da mesma forma. A mentira ou a omissão causa uma turbulência, só para depois ficar claro que essa mentira/omissão não afetou o resultado dessa dinâmica. Aí partimos para as sequências de reconciliação e assentamento das tensões. Vem o final feliz, por fim.
Reconheceu a estrutura de O Discurso do Rei nisso tudo? Pois bem, você não está enganado. O roteiro do filme, sem aquele painel histórico, seria como qualquer filmão pipoca de superação da Sessão da Tarde. Seria igualmente bom, mas não teria sido superestimado como foi. É aí que reside a inteligência do diretor, que revestiu de competência e beleza a sua direção cheia de planos inesperados, enquadramentos não-convencionais, e que coroou isso com um elenco impecável, que soube retratar com paixão cada um daqueles ícones históricos.
Tom Hooper usa os mesmos clichês dos filmes de superação para ganhar o Oscar, sobretudo porque faz isso com uma sensibilidade única.
Ainda acho que Cisne Negro foi mais ousado e desbravador, e que exatamente por isso merecia o prêmio maior. O Discurso do Rei é bom, mas é seguro demais. E deve-se premiar o seguro e confortável, apenas quando não podemos incentivar o que nos tira do lugar comum.
Duplicidade
Dupla tentativa que resulta em quadruplo desinteresse.
Indicado por Ana Carolina Alcântara e Monique Bomfim, minhas amigas de faculdade, esse longa de Tony Gilroy foi vendido por suas críticas e slogans com a seguinte frase: ainda há vida inteligente em Hollywood. Embora tenha sido um fracasso de bilheteria, foi alardeado por unir Julia Roberts (na época distante das telas) e Clive Owen (sempre belo), numa história de ação e suspense. E sem desmerecer a qualidade criativa do roteiro de Tony, fiquei intrigado com essa superestima ao filme. Dois agentes secretos, espiões, trabalham numa rede de intrigas e vendas de informações confidenciais entre empresas que brigam pela patente de produtos que podem vir a revolucionar o mercado. Inteligentíssimo, claro. Os dois agentes se apaixonam, mas por serem espiões não confiam um no outro. Razoável, ok. Narrativa fragmentada que conduz a um quebra-cabeça. Já vi isso antes... muitas vezes. O que parece ser não é, e o que seria mesmo pode também esconder outro será. Reviravolta final dupla, entendo... Outro dia vi umas dúzias assim... Vejam bem, nada disso torna o filme ruim, muito pelo contrário. A direção é elegante, o elenco afiado e o filme exala dignidade. Mas a apostila do centro de relevância detectado em tantas criticas e comentários eu não peguei na xeróx. Portanto, se alguém aí souber me diga: Duplicidade é tão bom assim, porquê mesmo??
Rio
Não se esqueçam que caricaturas não mentem.
Às vezes, antes de ir ao cinema, entro no Omelete.com para conferir as críticas das estreias mais importantes da semana. Geralmente as criticas do site costumam ser imensamente coerentes, mas a do filme em questão, Rio, tinha uma má vontade que geralmente não vemos por lá.
Rio foi feito por Carlos Saldanha, um brasileiro cheio de moral depois de ter transformado A Era do Gelo num sucesso de público e crítica. O filme era o maior sonho do diretor e bastam cinco minutos de projeção para entender isso. Rio é uma homenagem emocionada à cidade do Rio de Janeiro e seu roteiro e seus personagens são tão carismáticos que em meia-hora de filme você já mandou a defensiva para as cucuias. Sabe-se que a defensiva a que me refiro diz respeito a apreensão do espectador brasileiro diante da retratação americana para nosso povo e nosso cotidiano. É normal que seja assim, já que alguns diretores cometeram desatinos sem sentido em alguns momentos da nossa participação no cinema hollywoodiano. E exatamente por Saldanha ser brasileiro essa cobrança com ele seria ainda maior.
É aí que entra a crítica do Omelete, que em detrimento de um filme grandioso e comovido (sabendo-se que por tratar-se de uma animação certas liberdades artísticas são permitidas – e no roteiro nenhuma delas é prejudicial à nossa imagem), preferiu dar atenção à detalhes medíocres como o fato de não termos Flamingos em nossa fauna ou de as bundas aparecerem várias vezes no longa. O crítico acusa Saldanha de não ter visitado nosso país como deveria e o chama de leviano. Mas será que o crítico anda no mesmo país que nós? Podemos não ter flamingos, mas as bundas nos sufocam com todo o sortilégio de nomenclaturas baixas.
A qualidade do longa é tão, mas tão superior a isso que chega a ser mesquinho desqualifica-lo por um preciosismo pretensioso desses. Vários são os países e culturas que ao serem representados em comédias e animações, sofrem uma maximização de conceitos e estereótipos e isso faz parte do jogo. Se for respeitoso não é nocivo. E o que temos em Rio é tão respeitoso e mágico que reclamar de coisas assim é tão pedante quanto prolixo. E leviano. Aí sim, leviano.
Almas à Venda
Não venda a sua ao Diabo, guarde-a quentinha em nossas gavetas.
Já imaginou como seria se você pudesse se livrar de sua alma por algum tempo e guarda-la num potinho para consultas futuras? Pois bem, a empresa existente nesse longa alternativo estrelado por Paul Giamatti lhe oferece esse serviço. Você se desliga de suas perturbações interiores guardando sua alma num cofre para acessá-la quando quiser. E é Paul Giamatti, como ele mesmo, que busca essa redenção para quem sabe conseguir vestir de modo neutro o seu novo personagem. O problema é que há um tráfico de almas em ação e a de Paul é roubada por uma aspirante a atriz. Com isso, Paul precisa ficar com a alma de outra pessoa e os efeitos dessa troca são o argumento principal desse lindo filme. Cheio de sensibilidade e humor refinado, o filme trata a absurda questão de maneira segura e nos faz lembrar muito de Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Mas não se engane. Almas à Venda não peca pelo excesso de poesia de seu primo criativo. É igualmente lúdico, mas muito mais pessimista. Vale uma conferida.
Comer Rezar Amar
Ver Bufar Lamentar
A resenha do livro de Liz Gilbert dizia respeito à fragilidade dramatúrgica da história pessoal da “personagem”, mas que não prejudicava o leitor, já que uma escrita segura e esperta garantia os bons momentos desse livro. Já a adaptação cinematográfica dirigida por Ryan Murphy (Nip/Tuck, Glee) acabou virando, talvez por não ser capaz obviamente de transcrever a sagacidade narrativa de Gilbert, uma bobagem sem tamanho. Se não fosse a fotografia, o filme não seria nem digno de menção. Sobretudo para os que leram o livro, a história sofre de relevância e conteúdo e abre mão de momentos que poderiam talvez, ceder ao roteiro algum tipo de clímax e nó dramático, porque esse é exatamente o problema com Comer Rezar Amar: ele não tem clímax. Ele não tem conflito. Maximiza o romance entre Liz e Felipe e reduz Wayans a um pontinho no escuro. A própria jornada pessoal de Liz acaba soando estúpida, já que não se pode dedicar mais que dez minutos do filme a traduzir suas perspectivas pessimistas (o que no livro é o tempo todo reforçado). O resultado é uma personagem rasa. Rasteira. O que acho uma pena, já que torço pelo sucesso do diretor Ryan Murphy. Embora não pudesse imprimir sua ousadia no longa, ou trairia mais ainda a obra de Gilbert, achei que a escolha dele teria sido proposital por ser inovadora, e o que vimos foi uma triste e inútil adaptação.
PS: Alguém saberia me dizer porque a Julia Roberts aparece em todo o material de divulgação do filme chupando essa colherzinha?
Alice no País das Maravilhas
Alice gótica toma Diazepan e vai ser sindicalista na China.
Tem um tempão que Tim Burton começou a deslizar por uma esfera de auto-caricatura do qual parece não sairá jamais. Seu estilo sendo impregnado em histórias clássicas acompanhadas de um excêntrico Johnny Depp e uma descabelada Helena Bohan Carter, já faz parte do nosso cotidiado. Funcionou em A Fantástica Fábrica de Chocolates e foi tolerado em Sweeney Todd. O problema é que o homem desembestou a fazer adaptações e achou que ia ficar bonito pra ele. O que ele fez com a Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, foi uma cagada tão sem tamanho que chega a dar pena.
Primeiro o exagero visual. Chega a dar enjôo. A vertigem é a mesma que sentimos quando assistimos Transformers 2 e Speed Racer. E esse excesso prejudica a empatia com o filme, que já sofre do terrível mal de não ter uma protagonista forte, simpática. Alice, bem no estilo Burton, é pálida, esquálida e cheia de olheiras. Parece um cadáver. Uma fã apática da saga Crepúsculo. E não sei porque raios ele achou que não podia contar a história original e sim uma versão "moderna", com Alice voltando à Wonderland para salvar o país da Rainha Vermelha. E olha que até aí tudo bem, se no final Alice não tivesse ido pra China virar gerente comercial (?). Despirocação total!!! Se não fosse a Bohan Carter mandando cortar cabeças o filme não valeria nem metade do ingresso.
Nine
Rob Marshall faz filme com nove motivos pra você não assistí-lo: chato, longo, escuro, tem a Fergie, tem o Day-Lewis se contorcendo, a Judi Dench canta, não tem clímax, não tem final e as músicas são um chute no ovo.
Há um tempão atrás, Rob Marshal tirava do limbo o gênero musical e o levava de volta à ribalda do reconhecimento crítico, conseguindo para Chicago uma penca de prêmios. Eis que recentemente tentou repetir o feito com esse insípido Nine.
Pessoalmente, eu já não era tão fã assim de Chicago. Uma história frouxa, sem credibilidade e com protagonistas sem nenhum carisma. O filme parecia ter sido todo construído em volta do número musical das prisioneiras, único com força dramática e criatividade.
Pois bem, em Nine a estrutura se repete para o bem e para o mal. Com um argumento ainda pior, sem nó dramático, sem clímax, sem charme, o musical também baseado numa produção da Broadway, é arrastado, pretensioso e busca bombear a emoção com notável desespero. Começando pela escolha de Daniel Day-Lewis e Marion Cotillard para protagonistas, uma tentativa frustrada de impressionar a audiência. O filme reprisa o papel de Queen Latifah e dessa vez é Judi Dench que interrompe a narrativa para um chatérrimo número solo. Sem falar na figuração de luxo feita por Nicole Kidman e Sophia Loren. O cenário onde a maioria dos números acontece é muito parecido com o cenário do número das prisioneiras em Chicago e é nele que acontece o único momento interessante do longa: o número cantado por Fergie. E vejam senhores, com uma base criativa idêntica a das prisioneiras.
Enfim, não é à toa que esse filme passou pelos cinemas e ninguém viu. Foi um maiores fiascos do ano passado e Marshal deve estar até agora se perguntando o que aconteceu. O que aconteceu? Vencer pela estética pode ser fácil uma vez, mas duas...
Amor e outras Drogas
Viagra nas comédias românticas injeta sagacidade em Hollywood.
Monique Bomfim do A Tonga na Mironga, diz:
Antes de ver o filme, li a crítica que o Rubens Ewald Filho escreveu. Ele disse que eram 3 filmes em um e que seria mais eficaz se o roteirista focasse apenas em um. Fiquei confusa, pensando em como teriam conseguido fazer isso. Fui assistir. Rubens, pra variar, estava certo.
O irresistível Jamie (Jake Gyllenhaal) abandona a faculdade de medicina para aterrorizar a família, que é toda do ramo, e mostrar que é o dono da própria vida. Dá-se que Jamie consegue um emprego para ser representante de um remédio concorrente ao Prozac, entrando assim no ramo da indústria farmacêutica, destrinchando seus esquemas e falta de ética. Temos então, o roteiro número 1. Percebe-se também que o protagonista é avesso a relacionamentos e seu esporte preferido é o sexo casual. Ele encontra a parceira perfeita, Maggie (Anne Hathaway). Em meio a transas, quase turbulentas, Jamie e Maggie amargam a intensa dúvida se devem ou não se entregar ao amor e deixar o discurso de independência de lado. Apresenta-se o roteiro número 2. Acontece que Maggie, aos 26 anos, sofre de Mal de Parkinson no estágio 1. Jamie, a princípio, demonstra tranquilidade sobre a doença, mas sua certeza de que pode lidar com ela se dissipa aos poucos. O que se revela o roteiro de número 3. Todos são interessantes, com boas sacadas e bem inseridos na década de 90 (abordando o surgimento do Viagra e o uso de pagers). Porém, a pluraridade temática distorce o objetivo do filme, que acabam se tornando vários, dando aos espectador a chance de escolher o que lhe parecer melhor. O que incomoda é a escolha óbvia da trilha sonora. Cena divertida: Macarena. Cena romântica: cantora gemendo com um piano ao fundo. A década de 90 foi tão rica se tratando de música, tanto as boas quanto as cafonas, que poderia ser um trunfo para o filme, não algo enfadonho. Falando em enfadonho, depois de resistir a quase o filme inteiro, o roteirista se perde na pieguice do momento em que Jamie(em uma atuação péssima) perde perdão a Maggie no fim. Foi de cortar o coração de tão errado. E enquanto tudo se concentra em Jake Gyllenhaal e Anne Hathaway, dou destaque a Josh Gad, que interpreta o irmão de Jamie, que nos dá todos os motivos para dar boas risadas.
As Dobras responde:
Rubens e você podem ter razão no que diz respeito ao roteiro, mas com um pouquinho de esforço, dá pra entender o que pretendiam esses produtores: uma simples e até admirável tentativa de fazer a diferença. Afinal de contas, de comédias românticas que se focam em apenas um ponto, os cinemas já estão cheios. Mas de um romance levemente cômico/dramático que tenha tantos outros desdobramentos, não vemos tanto por aí não. De fato, a vida e a história de ninguém é chapado por um só prisma e essas ramificações fazem parte do cotidiano de qualquer pessoa. O que quiseram os roteiristas de “Amor e Outras Drogas” foi ir na contrapartida do que vemos por aí. O resultado pode ter causado um incômodo, mas não é de maneira nenhuma, negativo.
Quanto à trilha sonora, quando você precisa que seu roteiro demarque um tempo, uma época, ele precisa ser óbvio. Todos os maiores ícones de uma época, são por natureza, óbvios. Em qualquer filme de época, o que você verá são as obviedades, ou não vai conseguir transportar seu público pra sensação de nostalgia necessária pra absorver esse teletransporte. Datar uma história significa destacar o pop daquela época e não o cult. Até porque, o cult costuma transpassar o tempo. Não é datado.
Engraçado como o viéis da preferência é paralelo, não é? Exatamente aquilo que enfraquece o filme na sua opinião e do Rubens, é o que o fortalece pra mim.
- Nina, o que você fez?
- Eu senti... Foi perfeito.
Corta para os créditos rolando (ninguém se levanta no cinema, inacreditavelmente) e eu sentado em choque na cadeira. Catatônico. Envergonhado e escondido, lá dentro, pulsa discretamente uma emoção genuína que aos poucos, numa onda constante, incontrolável, vai subindo determinada, invadindo meu corpo, palpável, afastando os órgãos para passar, até chegar incisiva no meu consciente, estraçalhando tudo, derramando-se de mim através do vermelho dos meus olhos.
Eu estava chorando. E mal posso explicar os tremores que esse choro me causava. Era uma profusão tão larga de sensações que o tempo todo tentavam intimidar a minha alegria em ter tido a honra de presenciar tamanho espetáculo diante de mim.
Dirigido por Darren Aronofsky, que anos atrás já tinha me tirado do eixo com Requiem para um sonho, o filme é a maturidade do cineasta em plenitude. Se em Requiem o artifício do auto-flagelo obtinha como apoio um mosaico constante de quadros rápidos que acabavam não servindo para endireitar a repulsa provocada pela tortura, em Cisne Negro temos beleza e sensibilidade em detrimento da destruição e do sangue.
Natalie Portman vive, assustadoramente, uma bailarina frágil e complexada chamada Nina. O diretor sabe - e não se enganem pela tentação em chamá-lo de arquetipista - como deflorar em camadas a personalidade de seus personagens. Já sabemos de súbito, que Nina sofre uma série de distúrbios psicológicos que lhe privam de uma vida social livre e de uma visão confortável do mundo. Sempre tensa, a moça parece o tempo todo não estar relaxada dentro de sí mesma. E a oportunidade de viver a ambiguidade da Rainha Cisne acaba por ser o gatilho para a destruição total de seu já frágil equilíbrio. Inteligentemente, Darren nos avisa que uma pessoa tão mal sucedida em ser ela mesma, dificilmente conseguirá ser duas outras tão intensas. Nina cai então na inevitável armadilha que muitos artistas encontram em seus caminhos: sentir.
Existe um princípio de Stanislavski que é conhecido entre atores do mundo todo: não represente, sinta. O teatro contemporâneo vive esse princípio em consequências absurdas hoje em dia. Vemos a nossa volta espetáculos viscerais que incluem atividade humana precisa. Nessa onda desesperada pela necessidade de reconhecimento, diretores exigem a "verdade", e condenam seus atores menos racionais a um abismo pessoal de onde muito poucos conseguem sair.
Um outro mestre, Thomas Mann, já nos avisava: morre o artista quando se torna homem, e começa a sentir. Mas nós atores, monstros de vaidade e orgulho, nos recusamos a seguir o básico que nos veio das terras gregas, e queremos sentir. Viver pra valer o que era pra ser mentirinha. E mergulhamos no calabouço das nossas emoções mais escuras em busca de reações cada vez mais "verdadeiras".
É nesse precipício que Nina cai. E mesmo com tantas reviravoltas no roteiro, não chega a ser surpreendente que ela seja a algoz de sí mesma. A força da história está na maneira tão voraz com que isso é demonstrado. Natalie compreende os demônios de Nina, porque para vivê-la, precisou dar espaço aos seus. Precisou passar fome, aprender a dançar e mutilar o corpo como fazem as bailarinas, precisou enfraquecer e encolher... Encontrar em sí mesma o cisne negro que logo lhe seria exigido. E assim como em Nina, a vinda dele é quase mortal. Destrói seu corpo físico com a mesma força de um câncer. Poucas vezes uma coisa me assustou tanto. Natalie merece todos os prêmios que lhe forem devidos. Aquele cisne negro é arte em abundância, transbordando dela de maneira ostensiva. Consumindo-a.
Mila Kunis, oriunda da série That's 70 Show, também tem bons momentos e já merecia faz tempo uma vida além Jackie.
Sem dúvida, nessa incrível produção de Aronofski, tanto ela quanto Natalie encontraram o âmago avaliador de suas profissões. Existem personagens dos quais nenhum ator sai incólume. Beatriz Seggal nunca conseguiu livrar-se de Odete Hoitman, Reagan assassinou a carreira de Linda Blair, o Coringa definhou Heath Leadger e sem dúvida, Nina, vítima do Cisne Negro, também consumirá Portman com seu legado.
A nova parceria de Denzel Washington com o diretor Tony Scott é... bacaninha. Ah, tudo bem. Eu acho que eu é que fui muito cheio de expectativas. Quando fiquei sabendo que era sobre um trem desgovernado eu me animei. Adoro catástrofe. Mas no final das contas, tirando um ou outro arranhão e carro explodindo, o filme fica devendo um clímax digno do barulho do que fez. Porque você até atura uma idéia imediata que precisa ser esticada para noventa minutos, como em Impacto Profundo, mas sabendo que nos minutinhos finais você terá a compensação. Não é o que acontece com Incontrolável.
O filme é bem dirigido, os atores estão bem e a trama é coerente, mas sabe quando dois minutos depois você já esqueceu do que foi ver? Então. É isso.
Quando se fala em Clint Eastwood exercendo seu papel de diretor, me vem logo na cabeça o dramático Menina de Ouro. Muitas tragédias, tristezas e lágrimas. Não gosto muito desse exagero. A insistência do cineasta pela superação constante de seus personagens me irrita mesmo. Por isso, fui ver com desconfiança a nova empreitada dele: HereAfter (ridiculamente intitulado de Além da Vida). Cinco minutos depois do início eu já estava com a boca aberta. O tsunami que invade a tela é de arrepiar, e serve de ponto de partida para essa competente reflexão sobre a morte. A jornalista francesa sobrevive ao trágico dia na história da Indonésia e têm uma experiência de quase-morte que lhe revela que existe alguma coisa do lado de lá (que por favor não sejam os vultos em contra-luz).
Já em Londres, um menino perde seu irmão gêmeo e essa experiência lhe traz a mesma inquietação: o que existe do outro lado?
Fechando a trama, temos um Matt Damon fantástico, vi
vendo um vidente genuíno que precisa se livrar dessa maldição para conseguir viver sua vida.
E são esses três personagens que seguirão sua jornada até o inevitável encontro (que infelizmente o trailler já entrega como será). E o diretor Eastwood nos presenteia com uma crônica sensível e delicada sobre um tema que poderia nos render mais um monte de exageros lacrimosos. Essas três vítimas da essência mortal nos guiam para um clímax que tiraria qualquer cínico do eixo. O filme é cheio de competência por toda a parte e vale a pena cada minuto percorrido. E é muito curioso que num período em que o espiritismo nos ronda em corajosas produções nacionais, Clint Eastwood venha para nos dizer: vocês ainda têm muito pra aprender sobre como contar a morte.
Em tempo: uma pesquisinha do Google pode ser legal para quem curtiu o tema. Em dado momento, a jornalista francesa nos esfrega uma teoria de conspiração que vale a pena considerar: estudiosos e ganhadores de Nobel teriam mesmo feito pesquisas importantes na área do espiritismo e sido censurados pela igreja?
De uns tempos pra cá, Nicolas Cage não faz mais nada pela própria carreira que não seja jogá-la na lama. A sequência de merdas em que andou metido é invejável e soa tão absurda que parece um protesto pessoal contra a indústria hollywoodiana. Com Caça as Bruxas não é diferente, mas pelo menos aqui, seguraram a onda e nos deram pelo menos um filminho pipoca divertido pra ver.
Na trama, a peste assola vários reinos e a chegada de uma moça tida como bruxa é considerada a razão de tanto mal. Cabe então a dois cavaleiros renegados levar a moça para um monastério que cuidará de sua destruição. A fórmula é a mesma de sempre: nunca sabemos se a moça é mesmo culpada, cada um dos companheiros de viagem vai ficar morto pelo caminho e no final das contas nada é o que parece ser. O prazer de ver o filme está justamente nesse conforto. Temos uma boa sequência inicial, empolgante, e uma boa sequência final, igualmente empolgan
te. O meio é preenchido por essas obviedades que a gente atura, mesmo sabendo que é ruim, porque é isso que estranhamente o nosso cérebro quer. É o que nos faz assistir as novelas do Sílvio de Abreu ou os sitcons americanos. Ou as últimas temporadas do 24 horas.
O filme é ruim, mas esse descompromisso com a originalidade é tão assumido que acaba tornando tudo prazeroso. Confortável. E inesperadamente, faz o ingresso valer a pena.
É ótimo que eu vá falar sobre Santúario depois de Caça as Bruxas, porque o plot de um é absolutamente igual ao outro: um grupo de pessoas parte numa expedição e todos já sabem que quase todo mundo vai ficar pelo caminho. O problema nessa produção de James Cameron (que só assina mesmo a produção executiva), é o alarde. Você já deve ter ouvido nos comerciais: a nova evolução em 3D. Evolução? Eu não vi nenhuma. E pra falar a verdade, fiquei até decepcionado com a falta de imaginação para os espectadores das projeções em terceira dimensão. Nem aquelas coisas de sempre, de lançar momentos à platéia, eles fizeram. Só aquele roteiro arrastado, cheio de clichês, e nenhum compromisso com a paciência do espectador.
Os atores são rizíveis e pasmem, o herói é o pior deles! A trama não nos mostra nenhuma surpresa e se não fosse o fato de ter sido “baseada em fatos reais”, não haveria uma só gota de interesse por esse filme. E não vá esperando "fatos reais" ao pé da risca. Seja tolerante.
No que diz respeito a contar histórias que se passem em cavernas assustadoras, vão precisar se esforçar muito pra superar Abismo do Medo.
“Chloe”
Tem um time de atores de hollywood que quando estampam seus nomes nos cartazes dos filmes, já sabemos que tipo de película estamos prestes a assistir. Se o cartaz tem o Adam Sandler, você já sabe que vai ver umas piadas escatológicas. Se tem a Julia Stiles é porque veremos um romance açucarado metido a alternativo. No caso do elenco de Chloe, você já sabe que o Lian Neeson não vai fazer piada e muito menos que a Julianne Moore vai ser uma mulher alegre e extrovertida. Você já sabe que todo mundo vai sofrer e chorar muito. Então, o que você pode fazer é dar mais atenção à Amanda Seyfried, com seus olhos arregalados, oriunda da série Verônica Mars, que já atuou numas comédias e que faz aqui, pela primeira vez, um personagem mais denso.
Infelizmente, Chloe peca pelo seu roteiro frágil e previsível. O clichê de todos os filmes que falam de traições conjugais e amantes psicopatas, e que vieram depois de Atração Fatal. E com uma péssima tentativa de fazer a diferença.
A história é aquela mesma: mulher acha que o marido está sendo infiel e contrata uma menina safadinha para seduzir ele. Todo mundo já sabe que aquilo vai virar um estranho triângulo amoroso e que o legado maldito de M. Night Shyamallan e seus finais-surpresa vai funcionar aqui também. Mas isso nem é um problema; eu até gosto de fórmulas. Não tenho a pretensão de homenagear o original porque o original não existe mais há muito tempo. Talvez Matrix tenha sido a última grande evolução de técnica e linguagem que vimos. O problema todo é que nem usar o básico bem, eles usam. Chloe já cai na apatia tão logo percebemos que esse é um filme que acha que vai impressionar, mas não vai. Primeiro que – me desculpe a Julianne Moore – se eu quisesse surpreender com um papel dramático, jamais escalaria a dita cuja pra ele. O dia que ela aparecer peidando numa comédia do Judd Apatow aí sim, eu vou me surpreender. Mas por enquanto ela só está fazendo o que esperam dela. Está fazendo bem, pelo menos, mas de surpreendente não tem nada, coitada. O diretor a escala porque sabe que ela vai tremer a boca, lacrimejar muito e dar umas mamadinhas sem grilo no peitinho da Amanda.
E é nesse emaranhado perigoso de conceitos pré-concebidos que cai o pobre do diretor. Escala a Julianne porque ela vai ser “densa”. Escala o Lian Nesson porque ele é o veterano charmoso que vai – só pra ele, né? – despistar o segredo final. Escala a Amanda porque ela tem carinha de anjinho e todo mundo vai achar incrível ela fazendo a enlouquecida. E por aí ele vai, achando que se a safadinha se apaixonar pela esposa contratante ele vai estar sendo original. Achando que se a safadinha transa com o filho da esposa na cama dela, isso ainda vai chocar alguém. Achando que precisa fugir do maniqueísmo e conservadorismo americano e com isso propõe um final muito mal das pernas que não se apóia em nada se não essa idéia pseudo-intelectual de que o mais real é o menos humano. Muitos diretores estão fazendo isso hoje em dia. Achando que transgredir a ordem humana (usando a palavra aqui no sentido social mesmo) será mais adequado para engrandecer sua obra de humanidade. E que grande engano! Será mesmo que aquela mulher, que ama o filho mais do que tudo, que ama o marido loucamente, que acabou de saber que ele nunca a traiu, que não deu absolutamente nenhum indício de bifurcação de personalidade, que acabou de entender que seu casinho lésbico quase arruinou seu casamento, causou um grande trauma em seu filho e terminou numa trágica morte dentro de sua própria casa... Será mesmo que essa mulher usaria a arma do crime como acessório de beleza só pra assim demonstrar o quanto ela entendeu o papel libertador dessa jovem em sua vida? Vai ter algum cineasta maluco vestido de preto e fumando cigarros de cravo que dirá: Sim! Isso é genial! Mas não, não é! É um absurdo! Uma maculação hedionda com a natureza de uma personagem desenhada para finalidades nada impressionantes. Só um adorno desnecessário para cavar do roteiro alguma genialidade e tirá-lo do lugar comum a que ele estava condenado desde seus dez minutos iniciais.
Enfim, não perca seu tempo assistindo esse engano. Vá à locadora e pega o Atração Fatal. Em matéria de amantes obcecadas, nada melhor do que recorrer ao original.
“20 centimetros”
Se você pensa que lá na Espanha só quem faz filmes com figuras femininas fortes e muito colorido e exagero é o Almodóvar, está enganado. Esses dias eu acabei vendo, sem querer, esse tal de 20 Centímetros. A idéia já é ótima: travesti bem dotado acaba descobrindo o amor com um homem que deseja justamente aquilo que ela mais quer arrancar: seus 20 centímetros. E se não bastasse essa premissa incrível, a travesti chamada Marieta e vivida com muita competência por Monica Cervera, sofre de narcolepsia e quando cai no sono - por vezes em horas nada próprias – sonha que está fazendo clipes e musicais famosos.
Se o filme fosse só isso já seria bom, mas ainda temos diálogos ótimos, elenco afiadíssimo e números musicais cheios de competência. Vamos desde canções da cultura espanhola até uma inspiradíssima versão de True Blue, da Madonna (provando mais uma vez o poder dessa mulher).
O roteiro não se leva muito a sério, preferindo focar na comicidade da situação: o homem que surge para Marieta é um Deus da beleza espanhola, cheio de masculinidade e apaixonado por ela. Porém, deixa claro que se ela arrancar os 20 centímetros, tudo está acabado. E nessa direção, a história caminha com momentos hilariantes, como quando Marieta está engatada no bonitão e tenta fechar a janela do quarto caminhando até lá sem desengatar dele.
Sem lições de moral e sem final dramático (muitos diretores talvez não resistissem à tentação de entregar a personagem ao fator virulento da questão), o filme termina consagrando sobretudo, a figura de Mônica, uma atriz com uma competência que salta aos olhos e conquista sua confiança do início ao fim.
“Shelter”
O nome desse filme em português é De repente, Califórnia, mas a discrepância com o título original é tão grande que me recuso a me referir a ele por essa tradução absurda. E é isso. O tema do filme é gay, e essa foi a razão principal que me fez levá-lo pra casa. Toda minoria é carente de produções que focalizem o seu nicho. Eu não sou diferente. E meio desconfiado, lá fui eu ver qual era a dos surfistas gays.
Basicamente é isso mesmo: um surfista bonitinho enrustido tenta manter a sanidade enquanto lida com seus demônios, um pai doente e uma irmã negligente que acaba deixando para ele toda a responsabilidade de criar o sobrinho pequeno. Tudo ganha proporções quando o irmão mais velho de seu melhor amigo chega à cidade. Os dois vão evoluir da amizade para um romance, todos já sabemos, e são as implicações dessa relação que orientarão do roteiro dali por diante.
Não posso dizer que isso é feito da maneira mais competente. Discordo, inclusive, das ligações que o marketing do filme faz com a série The OC. O ritmo da série de Josh Schwartz era frenético e a cadência do filme de Jonah Markovitz é lenta, quase parada, com a trilha de Shane Mack que apesar de bonita ajuda nessa sensação de lentidão, e perde tempo demais aproveitando a fotografia óbvia que derivaria de uma paisagem litorânea como a da Califórnia. O filme também empaca em outras obviedades do gênero. Em romance escondido todo mundo sabe que uma hora vai ter a famosa cena do casal fugindo de alguém que chegou antes da hora. Em história de gay enrustido, também espera-se a cena em que o rapaz vai terminar o romance porque é o melhor para algum terceiro envolvido, no caso aqui, a irmã dele. Também sabemos que o assumido da história vai ajudar o pobre enrustido a evoluir como pessoa. Claro que isso é o que acontece mesmo, mas poderíamos pelo menos ter tentado mostrar isso aqui de maneira menos encomendada.
No entanto, nem tudo é defeito nessa controversa história. O diretor e roteirista acaba salvando sua obra da insipidez total ao tomar algumas decisões criativas interessantes. E que, ironicamente, confrontam um dos maiores problemas quando a questão é uma história que envolve gays. Quando os personagens são afetados teremos uma comédia ou um “filme-verdade” sobre o submundo. Quando os rapazes são discretos e masculinos, aí sim podemos ver uma história de romance e aceitação. Essa é uma das maiores máximas que envolve não só o cinema americano, mas até as nossas novelas, que estão indo até por um caminho pior, mostrando gays o tempo todo se apaixonando por suas melhores amigas. Aqui em Shelter, pelo menos, apesar do casal principal ser o cúmulo da discrição, não temos a obviedade da homofobia vindo das periferias mais prováveis, como os outros surfistas, e nem temos a ruptura familiar acontecendo por razões estritamente preconceituosas. Há mais em jogo. Há uma personalidade egoísta e muito mais conflituosa ali: a da irmã. E o destino que a história tem, e que esbarra nessa mulher vazia, é que exime o filme da inutilidade total.
Não posso deixar de destacar a interpretação do jovem Trevor Wright. Na pele do jovem enrustido, ele consegue surpreendemente, imprimir em seu olhar toda a agonia de quem além de tantas responsabilidades, ainda precisa administrar a devastadora percepção de que você é gay e vai precisar ter muita força pra sair do lugar.
“Hate Crime”
Esse eu acho que nem foi pros cinemas, mas estava no mesmo pacote gay que incluía o já comentado acima. Não se tem muito a falar sobre ele, exceto que é uma daquelas produções de suspense que pode algum dia passar no Super Cine. E por tratar-se de uma história de suspense envolvendo gays, você já deve estar conseguindo calcular que só tem dois assuntos possíveis: traição e preconceito! Bingo para o segundo! Vamos resumir o ocorrido: casal gay feliz e fiel ganha um vizinho homofóbico evangélico, um deles morre, o outro jura vingança, e por aí vai. Se não fosse o fato de haver uma discussão religiosa no meio, seria um filme do Steven Seagal. E essa discussão talvez seja o único mérito dessa obra.
Tudo é muito previsível e óbvio. A ficção gay já tem os seus clichês, que são básicos: o vilão sempre é um gay enrustido e esconde uma atração intensa pelo protagonista. Junte isso ao clichê do cinema moderno já citado na resenha anterior que exige finais surpresa e caráter duvidoso do herói, para conseguir o resultado final dessa história. Peca pela mesma falta de noção vista em Chloe quando analisamos a postura final do personagem principal. No mundo em que vivemos hoje, ser homossexual ficou ainda mais ambíguo. Você ganha o status de minoria esclarecida, mas ainda amarga os efeitos do ódio social, agora pior porque está oprimido pela obrigação do senso de igualdade. O preconceito passou a ser como uma paisagem de um filme do David Lynch: você sempre desconfia que por trás daquela beleza há algo maligno. E no meio dessa questão estão algumas vitórias alcançadas contra a violência, o que nesse filme, se esfarela pelas mãos de uma ignorância sem tamanho do roteiro, que prega a maior inverdade de todas: a vingança pelo sangue, compensa a perda.
“Megamente 3D”
Animações me alegram e me apetecem.
Pois bem, essa nova animação se não bastasse ser divertida, pop, engraçada, irônica, inteligente e catártica como tem sido a maioria das animações hoje em dia, tem um flerte filosófico que dá gosto de ver: o bem e o mal são necessários na mesma medida? O mundo seria possível sem um dos dois? Aí você vai dizer “sim, claro”, mas será que se só existisse o bem, o conceito de bom seria possível? A vaidade humana diante da leveza do altruísmo escorreria pelas vielas do comportamento habitual. Não poderíamos ser alegres por sermos bons. Fazer coisas boas não produziria mais endorfina e possivelmente viraríamos um monte de seres apáticos e insípidos.
Claro que o filme não chega a esse ponto de análise, mas mostra que às vezes, a nossa aparência, o meio em que estamos inseridos e os que nos cercam, acabam sendo determinantes nas nossas escolhas equivocadas. E é isso que acontece com o personagem desse filme. Numa paródia espertíssima da história do Superman (o que também é uma grande sacada, já que o personagem é o centro moral dessa questão maniqueísta) dois bebês são jogados na terra quando seus planetas são destruídos: um é o belo e atraente que cai na frente de uma bela mansão, o outro é um garotinho feio, azul, que cai dentro de um presídio de segurança máxima. A partir daí os destinos dos dois vão sendo construídos como se espera. O belo e garboso vai se tornar o super herói que esperam que ele seja e o garotinho azul, mesmo sendo inteligente o suficiente para questionar esse destino, acha que seu papel no mundo é antagonizar esse herói e provar seu valor através do mal. O problema é que pela primeira vez na história da ficção de fantasia, o mal vence e o mundo cai numa confusa condição de ausência do bem, o que torna o mal totalmente obsoleto.
E seu ainda não te convenci a ver o filme depois dessa descrição do enredo, se prepare para muitas piadas espertas, para o cinismo delicioso da repórter que faz as vezes da Lois Lane, para a inteligência da produção em encher o filme de canções pop e para um final épico digno de premiação.
As cópias em 3D proporcionam um show a mais. Foi a primeira vez pra mim e eu fiquei encantado. Não falo nem das coisas que parecem que estão vindo te pegar, mas a nitidez e a textura da imagem. Em dado momento, um personagem que estava sumido é encontrado numa cabana, meio decadente, barbudo... A nitidez é tanta, que é como se mesmo com aquela forma cartunesca, fosse possível tocar nos pêlos do peito dele aparecendo na abertura do roupão. Impressionante.
“Enrolados 3D”
Gostei desse negócio de 3D e parti para os cinemas assim que a nova animação da Disney estreou. A nova versão da história da Rapunzel é um show a parte. E não pense que assim como aconteceu com Megamente, os contos de fadas foram subvertidos para uma cínica visão moderna. Não! Aqui a essência perdida dos filmes da Disney está de volta. Ou seja, uma princesa perdida, uma vilã assustadora, bichinhos encantadores e números musicais muito enfeitados. É mais ou menos o que acontece com “Encantada”, em que atores em live action recriavam o universo da empresa. Em “Enrolados” isso também é feito, só que com mais propriedade, visto que Rapunzel é um ícone do imaginário infantil há muito tempo. Mas embora essa métrica básica dos filmes de princesa esteja ali, não perdemos, graças a Deus, o humor cínico das animações que nos rondam ultimamente. O príncipe (dublado com esmero por Luciano Huck) é meio fajuta, Rapunzel é meio neurótica e não se pode dizer que a vilã é de todo mal.
Ver o filme em 3D aumenta ainda mais essa magia. E os roteiristas são espertos. Criam uma justificativa inteligente para a necessidade de Rapunzel de ver o mundo lá fora. E as lanternas que ela persegue tomam o cinema todo numa seqüência impressionante. É um deleite. É a Disney mostrando como sabe fabricar sonhos contando sobre eles. Se você não se encantar, é porque seu coração empedrou faz tempo. Senta e espera o fim, meu caro. O mundo já está perdido pra você.
“De pernas pro ar”
A Globo Filmes entendeu, desde o sucesso de E Seu eu fosse você? que dá pra fazer cinema nesse país sem falar de favela e violência. Daniel Filho, talvez por ter adquirido algum discernimento artístico durante tantos anos de televisão, não tem essa necessidade boba de se afirmar como diretor de filme-cabeça e nos aliviou um pouco as tensões desde A Partilha, lá atrás. Claro que o cinema nacional ficar dividido entre dois pólos também não é bom, mas eu sinto que devo defender essas investidas cômicas, mesmo que elas sejam uma bomba comercial. Ora, vamos lá. O Brasil tem que levar as pessoas aos cinemas para ver De pernas pro ar e com isso ganhar muito dinheiro. Só assim é que os Luizes Fernandos Carvalhos e os Cláudios Assisses da vida vão poder continuar fazendo seus experimentos. Ou você acha que as franquias de heróis nos EUA existem pra quê? Deixar os executivos tão felizes que dão dinheiro sem reclamar para a produção de coisas independentes e mais intelectualizadas.
Essa nova investida cômica chamada De pernas pro ar, é mais safadinha. O que é até legal também. É bom ver jovens indo ao cinema e ouvindo numa boa sobre masturbação, vibradores e afins. A protagonista, vivida com o habitual bom humor de Ingrid Guimarães, é um clichê da mulher moderna que descobre que o marido a abandonou porque ela só pensava em trabalho. Depois de ser demitida, ela acaba conhecendo melhor sua vizinha periguete e indo trabalhar com ela numa sex shop. Começa aí a vitrine de piadas sobre todo esse mundo dos acessórios sexuais. Já sabemos que Ingrid vai usar vários deles pra gente poder rir dela. A direção compreende o valor cômico de Ingrid e demonstra conhecimento sobre os pontos fortes dela ao leva-la para tomar ecstasy (por engano claro, olhas as crianças aí) numa boate, numa alusão clara ao sucesso que a atriz faz ao fazer isso no espetáculo Cócegas. E esse, junto com a hora da calcinha vibratória, são os dois pontos altos do filme. Em volta desses dois momentos, estão algumas boas decisões cômicas e outras péssimas. Mas talvez a chave dessa avaliação sobre o que é péssimo esteja focado no que diz respeito ao constante incômodo provocados pelo juízo de valores do filme. Enquanto o mundo nos abraça com histórias sobre mulheres que seguem seus maridos onde eles forem e recebem com isso demonstrações artísticas em forma de canção ou poesia, numa perigosa subversão do direito de individualidade, quando temos a oportunidade de mostrar o inverso disso, com um homem seguindo sua mulher pelos caminhos transitórios de sucesso que ela precisa trilhar, somos sufocados pela obrigação familiar que no caso da mulher, é quase agressiva. E o roteiro do filme fica defendendo isso o tempo todo. E se não fosse pelo minuto final, seria uma ridícula homenagem às mulheres que abrem mão de seu sucesso para seguir um homem. E infelizmente, esse minuto final não salva o produto final dessa impressão.
Fica a abordagem feliz da personagem de Maria Paula, que reavalia o conceito da aparência que engana e ainda nos presenteia com outra máxima preterida pela sociedade vigente: todos são passíveis de amar e mais ainda, de ser amados.
“O Segredo dos seus Olhos”
O vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro do ano passado está cercado de elogios. Como sempre acontece, eu fui assistir desconfiado. A razão dessa desconfiança é que só não ganha Oscar de melhor filme estrangeiro quem não quer. A receita é muito simples: pano de fundo histórico ou nacional, ou seja, fale do seu país. De preferência de uma bizarrice ou deficiência dele. Tenha uma boa fotografia e uma música melancólica. Enquadre o roteiro nas emoções de um personagem. Hollywood precisa de um herói. Por isso o Brasil não ganhou com Cidade de Deus. A narrativa precisa ser vista pelo ponto de vista de um herói. E ele tem que ser emocional e cru. Junte isso a um final ambíguo e pronto: Oscar!! Claro que tem que ter bom gosto pra fazer essas coisas, ou você acaba virando um Olga da vida.
O curioso a respeito desse O Segredo dos Seus olhos é que pela primeira vez ele carece de um desses elementos. Essa história se passa num país latino, mas poderia se passar em qualquer lugar. O prêmio aqui se justifica nas belas interpretações e num roteiro inteligente e realmente poderoso.
Não se pode dizer muito sobre ele, já que aqui o elemento surpresa funciona como um catalisador de emoções e justifica ações e comportamentos, mas basta dizer que você não sairá incólume dessa obra. Poucas vezes o ódio tranqüilo de uma rubrica de Jean Tardieu foi tão bem ilustrado.
“O Direito de Amar”
Morte aos tradutores brasileiros!! Again!!
Como é que um filme que se chama A Single Man pode virar “Direito de Amar”? É inadmissível! E aí a pobre coitada da dona de casa que não perde tempo lendo sinopses, acaba alugando o Direito de Amar achando que verá uma linda história de amor e acaba dando de cara com um drama hiper intenso sobre um gay de meia idade que perde seu amado e passa a perseguir a morte.
De uma segurança surpreendente para um estreiante, Tom Ford era estilista da Gucci antes de embarcar na viagem cinematrográfica que já lhe rendeu uma série de prêmios e com ele, trouxe Colin Firth, um ator de sutilezas impressionantes, e Julianne Moore novamente fazendo a perturbada. Mas sem dúvida a maior surpresa pra mim no filme é o jovem Nicholas Hoult. Oriundo da série Skins, o rapaz protagoniza cenas mais bacanas que as de Julianne e é dele a função catártica que age sobre o personagem de Firth, afim de interromper sua busca magoada pela vilã que lhe tomou seu amado.
O filme é cheio de bons diálogos e sensualidade, e tem aquela marca que os americanos adoram: a voz do herói no monólogo de suas desesperenças. Curiosamente, o filme tem essa semelhança com o American Beauty de Allan Ball: a morte pode ser enfim, a represa de seus sofrimentos, mas também será o estanque de suas mudanças.