Há algumas semanas a novela Fina Estampa, de Aquinaldo Silva, teve um de seus maiores picos de audiência. A razão foi mais um embate entre a descaracterizada Teresa Cristina e a ótima Griselda, além de um jogo de vôlei entre um grupo de “fortões” (como os próprios personagens nomearam) e um grupo de gays. Se cada capítulo da novela pudesse ser nomeado, esse poderia se chamar facilmente “A coroação da ignorância”.
O jogo de vôlei era uma estratégia esperta perante a audiência. Gays afetados, vestidos de rosa e dando saltinhos sempre funcionaram melhor do que aqueles que fazem o discurso social adequado. Não que a afetação não exista, ela existe. Mas não é só ela que existe. Aguinaldo tem um longo histórico de abordagens afetadas, talvez provenientes de uma concepção homossexual retrógrada, oriunda de uma época em que os gays ostentavam o orgulho de relacionarem-se apenas com “héteros”, enrustidos, tudo para que pudessem desfilar o status de terem “casos” com militares, médicos, mecânicos, motoristas... Aguinaldo não representa o homossexual dos anos 2000, ele parou no tempo em que a afetação era o único caminho possível para o gay na televisão. E infelizmente, depois de Gilberto Braga ter feito um trabalho exemplar em Insensato Coração, vem Fina Estampa e anula toda essa referência com um infeliz tratamento ao tema.
Tudo no tal jogo era equívoco. A caricatura não atingia só os gays não, porque os “fortões” também não tinham uma gota de profundidade. Tinham todos um pé no timbre da vilania. O time dos gays vestia rosa e saltitava pela areia. A plateia era dividida e segregada como manda o figurino e se já não bastasse tudo isso, o time dos gays perde o jogo porque não conseguiu se concentrar em outra coisa senão o volume do pênis de um dos jogadores. Qualquer palavra que não seja uma variante do ridículo, não se aplicaria na hora de julgar ideia tão esdrúxula. Pra coroar a ignorância toda, um dos fortões faz uma piada e os gays reagem com... violência. Isso mesmo. Os gays é que respondem primeiro com violência. O pesadelo se encerra com o personagem de Marcelo Serrado dizendo: Perdemos o jogo, mas ganhamos no pau. Saímos dessa experiência com uma representação triste de homossexuais rasos, fúteis, que não sabem perder e reagem com violência. Aguinaldo então pode dormir tranquilo, já que a audiência da novela permanece alta e ele tem o hábito de usar o ibope como parâmetro de qualidade. Criticado pela novela, reage como os gays de sua história: com agressividade. Invalida a competência dos críticos. Ataca-os com suas frases de efeito totalmente vazias de embasamento.
A novela em si, capenga num circo de incoerências. Aguinaldo declara que depois da Flora de A Favorita nenhuma vilã mais tem humanidade, motivos. Na cabeça de todo mundo que viu A Favorita, Flora era uma das vilãs que mais tinha razões para agir na trama, ao passo em que Teresa Cristina parece saída de um filme da Disney e não tem um só momento em que não fale com voz de Bruxa Malvada. Até agora já bateu, gritou, maltratou um empregado que a põe nos céus (o que jamais entenderei), discriminou e até matou, e os motivos não aparecem.
As tramas se costuram com a linha da obviedade, repetem padrões mil vezes já vistos. O egocentrismo de Aguinaldo vai tão longe que ele começou a incutir na história, bordões e influências de suas outras tramas. Coisa que ele fazia com bom humor no passado, mas que agora soa pretensioso, como se suas outras novelas estivessem blindadas pelo engano da super audiência. O artifício só depõe contra ele, já que Nazaré (por exemplo), uma personagem cheia de camadas, dá de mil a zero no vazio dramatúrgico de Teresa Cristina.
O Twitter do autor é um show a parte e confirma a noção que ele tem de que é imbatível com os números e com a qualidade. Mal sabe ele que sua antecessora, Insensato Coração, era infinitamente superior em texto, ousadia, planejamento... e filosofia.