(Muito tempo depois....)
Oi Carmem!!!
A vida voa... as coisas retornam e se perdem.
Aqui está mais um dezembro. Se eu esticar o pescoço eu alcanço um fio da barba de papai Noel, e se eu der um passo, escuto ao longe os fogos da nossa próxima virada.
Não é a toa que tem gente que pira...
Espero que esta te encontre bem e feliz.
E o Casamento?
Casamento é um troço muito doido... mas vale a pena passar por ele. Contra certas convenções a gente luta a vida inteira, mas no fim das contas muitas delas a gente passa a vida sonhando em viver.
E a vida? É tanta coisa, não é? Sua última carta estava tão cheia de traços pesados e preocupados. Até poderia ser apenas o diário atribulado de uma mulher jovem e contemporânea, se naquelas descrições de atividades e deveres, não houvesse um tom mesmo que tênue de angústia e medo. E isso me preocupou.
Aliás, será mesmo que a gente deve descambar pra essa filosofia cheia de melancolia? Porque será que as pessoas ficam tão melancólicas nessa época do ano? Fazendo balanços, listas de resoluções e promessas que jamais vão cumprir?
Minha árvore de natal está lá ainda... na caixa. Muitas coisas aconteceram nas últimas semanas e parece que tudo conspira pra que ela não saia de lá. Eu, que sempre fui o grande entusiasta das emoções natalinas, perdi a sagrada data de pendurar enfeites naquele pinheiro artificial... Aí! Pinheiro artificial.... esse é o tipo de coisa que o eu de 16 anos jamais diria. Mas cá estou eu, dizendo. Não é que eu esteja pessimista não, mas parece mesmo que a força psicológica do Natal perde intensidade a cada novo ano. Pelo menos na minha vida...
Sei lá... Eu mesmo não queria que fosse assim. Não queria mesmo. Juro! Até porque, eu ainda me considero extremamente inclinado à unção natalina que geralmente toma conta das pessoas. É que comigo ainda não rolou... minha árvore de natal ainda está na caixa.
Você vai riscando os dias e parece que tem horas que de algum lugar você leva um safanão e se vê obrigado a entender os equilíbrios entre a vida que tem e a que precisa enfeitar. Quatro anos de trabalho, dois anos de namoro... eu estou vivendo um interlúdio.
Você já parou pra pensar em 2007?
Eu faço isso o tempo todo. Não do ponto de vista factual. Mas do que senti enquanto via o ano passar. Mas numa boa... sem aquele papo clichê das análises de final de ano. Eu ao menos, tenho material pra isso. Em 2007, eu viajei pela primeira vez de avião, fiquei numa cidade estranha sozinho, vi meu trabalho com meu filme ganhar algum reconhecimento (mesmo que pequeno e único), vi meu relacionamento quase morrer e renascer, vi meu trabalho sendo consolidado, vi minhas responsabilidades ganharem proporção até então só fantasiada, vi as últimas muretas de preconceito se quebrando... enfim, vi tanta coisa.
Já parou pra pensar no que você viu?
Eu daqui vivendo o meu casamento com aspas e você daí vivendo o seu com exclamações. Eu me sinto como um personagem de “Sex and the City”, que passou várias temporadas listando e classificando suas conquistas e agora chora atrás da porta enquanto o marido dorme, numa coisa meio Chico Buarque, pra mostrar aos espectadores um novo estágio daquela criação. Como eu disse no início, casamento é um troço muito doido. Essas oscilações de prazer e temor. É como se eu passasse metade do tempo pensando em como era ser solteiro e livre e a outra metade, sabendo com certeza absoluta que aquela pessoa precisa estar ao meu lado. E olha que eu não tenho filhos..... pelo menos não meus! Porque os dele já fazem parte da nossa rotina.
Tem aqueles dias em que eu espero em casa por um carinho espontâneo e ele não vem. E eu olho com desprezo pra imagem dele roncando na cama, completamente alheio às minhas dúvidas e sei claramente que cometi um grande erro. E tem aqueles outros dias em que ele me abraça inesperadamente enquanto vemos TV e dá um beijinho na minha bochecha. Tem um clima suave lá fora. Tem o roçar dos pêlos do braço. E eu tenho certeza que aquilo é felicidade. Acho que o problema.... são as transições. Costuma ser entre elas que residem as mágoas, as tristezas e as traições.
Há exatas duas semanas atrás, eu estava tirando a caixa com a árvore de natal de cima do armário. Sempre encima ou embaixo de coisas, esse tipo de material está sempre empoeirado e com enfeites a serem recomprados. E costumam ter aquele odor estranho de reconhecimento e saudosismo. Como aquelas rabanadas que você só come no natal. Eu pelo menos....só como no natal.
E ela estava lá, a caixa com a árvore, os envelopes pra colocar as cartas como essa, a guirlanda pra colocar na porta, o planejamento da nossa nova mudança, o orçamento pra comemoração de dois anos juntos... E há exatas duas semanas atrás, tudo isso ficou pra trás com o presente irônico que papai Noel nos mandou: um acidente de carro que não feriu o Gustavo, mas feriu nosso espírito natalino. E com o rombo nas contas familiares (algo que não posso evitar de sentir orgulho em dizer), todas essas coisas foram pra junto da árvore na caixa. Nos fizeram ter medo, mas pelo menos estavam enfeitadas com bolas douradas e anjinhos prateados.
De um modo estranhamente profético, esse evento nada desejável estruturou tópicos até então meio desestruturados. Engraçado como coisas como um acidente podem te trazer de volta a impressões que você já tinha perdido. O Gustavo é ainda mais crédulo do que eu sobre esse tipo de coisa. Depois de estar anos afastado da religião messiânica, ele viu-se confrontado com seus próprios dogmas quando a gorda em quem batera, o convidou pra receber um Johrei (espécie de oração). Juntou-se a isso o fato de terem vindo da mesma cidade, e Gustavo foi embora certo dos desígnios ocultos daquela situação. Eu, que apesar de ser crédulo quanto a quase tudo, tendo a ser cético por autodefesa, expressava minha preocupação com as culpas religiosas dele, ao passo em que intimamente, encontrava minhas próprias justificativas mágicas pra que tudo aquilo estivesse acontecendo.
O acidente que amassou toda a frente do carro do Gustavo, concertou os afundamentos da nossa relação. Juntos, voltando pra casa a pé, olhando um pro outro, parecia mais claro que nunca que todo resto era pequeno. Há quatro horas atrás eu pensava na possibilidade da nossa separação e ali no meio da Av. Amazonas, enquanto eu ouvia ele falar sobre como precisávamos nos apoiar, parecia que não havia outra condição se não a de juntos um do outro. Faltavam 48 horas pro nosso aniversário de namoro e toda a insegurança, medo, dúvida, opressão e angústia tinham ficado pra trás, junto com o vidro quebrado do retrovisor. E apesar de todos os problemas financeiros e estressantes que vinham pela frente, e que incluíam remanejamento de orçamento e desentendimentos provocados pela estafa mental... parecia tudo tão claro. Tão certo.
No dia seguinte, uma das paredes da minha sala estava coberta de frases de amor. Era meu presente pelos dois anos juntos. Quase perdemos a pintura devido a minha ignorância quanto a se colar coisas na parede, mas nos beijamos e nos amamos como um verdadeiro casal. Depois de dois anos juntos, por causa daquele acidente que nos obrigou a sustentar os pilares da nossa vida, estávamos transando e comemorando pela primeira vez, como um casal. É como naquela canção do Smashing Pumpkins: “Seu mundo será arruinado com o acertar de uma flecha do Cupido... buscamos o inalcançável e dizemos o indizível”. E queremos isso.... na maior parte do tempo, queremos isso.
Isso permitiu a abertura da caixa com a árvore.
As coisas estão voltando ao normal na nossa vida financeira... sinto que ainda existe uma sombra no semblante dele, mas aos poucos os galhos do pinheiro estão sendo colocados pra fora. Os envelopes pras cartas, como você pode ver, já estão aqui.
Insinuar qualquer espécie de renascimento pode parecer leviano e ingênuo. A rotina e a valorização dos pequenos problemas acabam sempre voltando, mas eu acredito que enquanto a vida te empurra é porque você ainda tem que ir.
Pra não complicar tudo e arranhar as relações, talvez fosse bom filtrar o que serve e jogar o resto fora, naquele quente e confortável espaço do cérebro reservado pra coisas que você quer esquecer.
Eu espero que você me responda com muitas boas notícias e cheia desse espírito renovador que nos toma nesse momento. Que o que quer que esteja acontecendo seja para o seu bem.
Vamos lá, me conte tudo!! Ou renove o velho diário das atribulações. Eu me recuso a esquecer de você. Me recuso. A experiência de ler suas palavras, desde aquele longínquo 1999 foi tão importante e maravilhosa na minha vida, que eu me recuso a fechá-la numa gaveta de lembranças juvenis.
Aliás, falando nisso, vem aí o segundo filme do “Arquivo X”! Independente da cagada que o Carter faça, vai ser incrível ver a série na telona novamente. Essa carta só está sendo escrita agora porque um dia, lá atrás, você respondeu a um anúncio meu numa revista que só falava dela.
Procurei pelo Marcos na comunidade do orkut que você falou e não encontrei. Entrei na comunidade mesmo assim. Se você, ele ou até o Bruno tiver o orkut, me passe. É uma maneira de manter um contato mais imediato.
Estou com uma coluna de teatro e entretenimento no site “Ecolagos.com”. Quando tiver um tempo, dá uma lida lá.
Já faz muito tempo que estou querendo enviar pra você uns cd’s com algumas coisas que estou ouvindo ultimamente e que acho que você gostaria de ouvir também. Mas acabo sempre em dúvida do quanto isso será relevante pra você. Talvez um “por favor, mande!!” me ajude a me animar.... o que você acha??
Enfim, Carmem.... Eu espero que você me responda. Seja quando for. Eu ainda me lembro muito de você. Ainda penso muito em como você está. Me orgulho do que tivemos e prezo pelo que ainda tentamos manter.
Estarei esperando e torcendo.
De quem te quer muito bem,
Henrique.