"Que falta de sensibilidade... gentileza..."
Eu estou aqui ouvindo essas palavras ecoando transgressoramente na minha cabeça. Elas tomaram os atalhos dos meus tímpanos até o cérebro e estão arranhando as paredes.
Que sensibilidade?
Que gentileza?
Pra com quem?
E porque?
Chamem a Glorinha Kalil!!! Sem dúvida, dentro de seus verbetes elegantes, ela deve ter uma regra de etiqueta bem aplicável em situações de altruísmo implícito.
Ou cantem a canção do "Fundação para uma vida melhor".
- Eu gosto! Adoro essa musiquinha.
A gente assiste aquela dramatização de comportamento civil e fica se perguntando se faria a mesma coisa ou se algum dia já fez.
Será que num dia de chuva, atrasado, irritado, cansado e tendo esperado por horas,eu cederia o meu lugar no táxi pra uma mãe e seu filho pequeno?
Provavelmente, não.
Ohhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Vá lá, todo mundo diz que sim, mas na hora, ou as pessoas só pensam em sí mesmas ou tem vergonha de se dirigir a alguém que não conhecem.
"Cada um por sí!"
*FUNDAÇÃO PARA A VIDA É MINHA E VOCÊ NÃO TEM NADA A VER COM ISSO
Agência prepara campanha publicitária alertando as pessoas para o uso desmedido da gentileza social.
A nova estratégia do governo federal para alavancar a campanha "Brasil - Um País De Quem Pode" é uma série de spots publicitários veiculados nos horários de pico de audiência de todos os canais de tv mais importantes .
"Será uma ação lenta, mas que pretende fixar-se no inconsciente coletivo", afirma a criadora da campanha, que já foi apresentada aos diretores de programação das emissoras em uma reunião ocorrida essa semana no Rio de Janeiro.
Sem esconder o propósito de usar da mensagem subliminar para garantir o sucesso da campanha, os criadores encomendaram às agências uma série de pequenos anúncios que mostrarão pessoas comuns passando por situações de gentileza extrema e que dessa forma, chocarão o público e alertarão para a propagação da bondade social que sem dúvida, deteriora a sociedade continuamente e que pode ser um dos fatores determinantes para a desorganização hierárquica que prejudica a instituição do estado.
Passado o transtorno provocado pelas campanhas solidárias dos primeiros anos do novo século, os sociólogos responsáveis pelo levantamento dessa nova expectativa social, garantem que o individualismo civil é a maior garantia de progresso para o país.
"Temos que parar de acreditar numa equalidade para as classes sociais desse país. A busca por essa utopia só provoca atrasos consideráveis no desenvolvimento das classes dominantes que criam e perpetuam as verdadeiras e importantes mudanças da nossa evolução enquanto potência". O sociólogo se refere a uma enfermidade ainda existente nos núcleos de resistência da classe baixa. A distribuição seletiva de renda, e que já chegou a ser considerada ruim nos tempos solidários do pais, se comporta de modo mais concentrado, garantindo um investimento direto na imagem do Brasil no cenário mundial. A reação é imediata: "O Desenvolvimento depende de uma satisfação mútua". Os especialistas discordam: "A competitividade é a mola mestra da evolução humana".
As estatísticas vem em defesa da teoria anti-gentileza. No ano passado, os estudos mostravam que em 98% das empresas onde a metodologia individualista foi aplicada, o crescimento bruto do setor financeiro e criativo cresceu mais da metade em comparação com os anos de 2000 e 2001. Norton Guerra, autor do best-seller "Eu Mexi No Seu Queijo E Que Se Dane", garante que liberar os funcionários de uma empresa para praticar atos antes considerados inescrupulosos, pode elevar sua marca ao maior status do mercado. "É tudo uma questão de ser surpreendente", afirma ele, "Se você acha que exerce a função do seu colega melhor que ele, faça isso um dia, sem avisar, e veja o que acontece. Se a função dele era atender o telefone e você fez isso melhor, você ganha e a empresa também". Quanto à situação do outro, Norton ataca: "Cada um tem que tomar conta do que é seu e vigiar o que é do outro. Se você bobeou e deu ao outro a chance de mostrar um trabalho melhor, problema é seu. Agora tente passar a frente do que está próximo a você". E completa, "Não existe gentileza em atender o telefone pelo outro, o melhor é assumir que o que você quer é ser mais eficiente que ele".
E a influência do livro de Norton vai longe. Uma das empresas de cosméticos mais importantes do mercado nacional adotou as medidas do livro e criou até mesmo um livro de regras para ética dos funcionários: "Não vale sabotar o outro, mas vale tudo pra apontar seus erros e se mostrar melhor". Os melhores nisso ganham até mesmo uma menção honrosa ao final de cada trimestre.
Há quem afirme que o caminho da individualidade pode transformar o convívio social numa guerra fria. Remanescentes das comunidades hippies e alguns ativistas do extinto GreenPeace ainda tentam veicular mensagens pró-gentileza na web, o que já lhes rendeu até mesmo processos federais por apologia à boa vontade.
"É uma pseudo-democratização inversa", afirmam os ativistas.
O assunto voltou a mídia depois que uma senhora morreu na fila de uma sorveteria na Zona Norte do Rio de Janeiro. Uma semana após ter sido aprovada a lei que encerra os direitos de idosos, gestantes e deficientes ao atendimento prioritário.
Ainda permanece incógnito o resultado dessa nova etapa social por qual passa o país. Em países como os EUA e o Japão, os resultados se mostram na economia e no setor criativo. E há quem garanta que para os países de terceiro mundo, não seria a melhor estratégia copiar o modus operandi de grandes potências que a essa altura, jamais serão alcançadas. Mesmo assim, o Governo Federal insiste que vale a pena tentar por mais algum tempo, sobretudo diante da aceitação da maioria da população.
"É o oportunismo em seus dias de glória", enfatiza Norton Guerra. Seu próximo livro, "Inteligência Capital",deve chegar as livrarias no próximo semestre e já é campeão de pré-venda na internet. "Se depender do nosso gosto pelo consumismo, nossa natureza primitivamente egoísta e do exercício não culpável do pensamento próprio, teremos muitos anos pela frente de lucros absolutos e sinceridade ácida". E tudo parece corroborar as teorias do autor. Norton divulgou ontem um trecho do texto da orelha de seu novo livro e ela, além de categórica, dispensa maiores explicações:
"A ciência já provou que não seríamos seres sociáveis se não fosse o interesse direto em exercitar a inteligência para usufruir de coisas que o outro tivesse a te oferecer. Aprendemos a aceitar a proximidade de outros porque não podemos conseguir tudo sozinhos. Durante muito tempo, contaminados pelas fraquezas sentimentais impostas pela cultura religiosa, nos tornamos insinceros com a nossa própria natureza e adquirimos um comportamento solidário e generoso que nos transformou em seres inverossímeis e dissimulados. Agora, vivemos tempos de uma nova safra. Apoiados pelo mundo moderno e suas ciências e tecnologias, as necessidades provindas do outro se tornaram cada vez mais raras e o compromisso com a sociabilidade passou a ser uma obrigação sem compensação prática. Então, alguns de nós que sempre souberam usar do próprio sorriso pra conseguir um aumento de ganhos futuros, encontram na modernidade uma absolvição tardia, mas digna e correta. Meu livro, "Inteligência Capital" é para aqueles que ainda não se expurgaram das mazelas medievalistas que criaram a gentileza e o altruísmo. E para ensiná-los a caminhar seguindo as pegadas dos vencedores e sabotando a trilha pra não ser seguido por mais ninguém."