Dust in the wind
Mais uma vez eu acordava entre folhas secas meio amareladas.
Eu não tinha dormido ali. Não. Mas eu acordara ali. De novo. Essa consciência não era dele (o eu do sonho), mas minha. E logo que eu acordava, era como se reconhecesse o cheiro doce do lar. A aparência familiar de tudo que me cercava. Os prédios. As árvores. As pessoas passando apressadas. Aquela cidade romântica dos meus filmes de adolescência. Respirando ali. Viva. Na minha frente.
Eu sempre estive lá. Era minha morada. Não era novidade, mas me maravilhava todos os dias. O jeito como o Sol refletia nas vidraças. O barulho das ferraduras dos cavalos que puxavam as charretes do parque. O som dos motores. As línguas que se cruzavam babélicas nas avenidas. O amarelo dos veículos de aluguel. Era a minha casa sem ser em casa. O meu lar alheio. No meio das ruas. Mas ainda assim tão meu. Tão próximo de mim.
Eu caminhava sentindo o frio. Era dia claro, mas fazia frio. E eu me lembrava que todos os meus dias perfeitos eram assim. Eu era feliz sempre nos dias frios. Eu era sempre feliz ali naquele lugar. E eu caminhava pensando em tudo. No que tinha que fazer, nas pessoas pra visitar. Eu tinha uma vida. Amigos esperando no café. Amores marcados no cinema da esquina. Eu era um dos que andavam com pressa. Eu era dali. E tinha ciúmes dos forasteiros como um bom nativo. Apoiava planos de melhorias e levantava bandeiras do quanto morar ali era especial. Porque ali era a terra dos sonhos. Era real e sangrava como todas as cidades, mas era envolta numa magia que nenhuma outra era.
Mais uma vez eu acordava entre folhas secas meio amareladas. Eu sabia que era um sonho dentro do meu sonho. Sabia que sonhava de novo com Nova York.
O 11 de Setembro passou. Geralmente falo sobre ele aqui no blog quando vem um aniversário. É uma data e um evento que me comovem constantemente. Talvez por ter visto tudo pela televisão numa época tão política da minha vida, mas sobretudo porque as grandes catástrofes, que dizimam populações em eventos trágicos, tem estranho poder de atração sobre mim. Não de maneira curiosa. Como os que visitam os assassinados numa esquina para verem o que seus rostos imprimiram no momento da morte. Mas com uma compaixão esquisita. Com uma insistência em avaliar a agonia alheia. Pensando no quanto sofreram os que viveram aquilo de perto, sem esperança de vida. O 11 de Setembro me faz pensar no sofrimento. Na morte estúpida, que interrompe um belo dia de sol, numa terça-feira cheia de compromissos, que acaba terminando antes do meio dia, com uma queda mortal para o chão de asfalto.
Sempre falo aqui também sobre minha paixão por Nova York. É difícil falar sobre isso. Todo mundo fica me olhando como se minha paixão pelo cinema e pela tv americana já tivesse tomado suas proporções até indevidas dentro do meu inconsciente. Mas o fato é que desde antes do atentado, essa cidade já exercia estranho poder sobre mim. Ela me chama. E já desisti de tentar entender porquê. Ou mesmo de me criticar se a razão for simplesmente visitar os cenários de minhas histórias preferidas. Nova York me comove. Sua tristeza me alcança. Sua agonia me transpassa. E mesmo sem ter pisado numa só folha seca dos cantos do Central Park, é como se ela tivesse sido projetada pra mim.
E hoje, quando sem querer me deparei com gravações da época do 11 de Setembro, e senti novamente toda aquela profusão de sensibilidades incomuns, foi como se todo o amor se confirmasse. É isso... Eu amo Nova York. Sinceramente. Desavergonhadamente. Por todos os motivos mais infantis. E que são os melhores motivos para se amar alguém ou alguma coisa.
Me ame também Nova York. E me chame pra você... algum dia.