Acabei de assistir ao filme da série Sex and the city como um fechamento da maratona que fiz essa semana, assistindo todos os episódios desde a primeira temporada. Os créditos subiram, eu estava dançando comovido pela sala ao som da voz incrível da Jennifer Hudson. Logo depois, numa osmose involuntária, sentei-me diante do computador e pensei em escrever algumas palavras sobre essa experiência. Resolvi dar uma de Carrie.
Há quatro meses não comprava uma temporada nova de alguma série para assistir (jejum que terminou hoje, estourando limites no Submarino.com). Fiquei todo esse tempo tentando não gastar. Assim como Carrie esburacava seu orçamento para garantir Manolos de quatrocentos dólares, o Henrique enforcava o próprio para garantir temporadas de noventa e nove reais. Ambos com o mesmo instinto romântico de se julgarem sensíveis ao belo e fascinante. Sorvendo com orgulho e dosada culpa, o prazer de calçar lindos sapatos (no caso dela) ou de assistir season finales (no meu caso). Foram quatro meses reassistindo o meu modesto arsenal de boxes. Revi os dramas da Família Soprano, os percalços de Will & Grace e emendei com as experiências de Sex and the City. Ao mesmo tempo em que uma grana nova surgiu e eu pude comprar novas temporadas de novas séries, também pude comprar o filme da série e assim fechar o ciclo.
Eu não entendo nada de moda. E o pouco que achei que sabia, a cada Fashion Week comentado no Jornal da Globo, eu descubro que não serve pra nada. Minha impressão é de que a moda virou um livro de fragilidades conceituais. O que é perfeito hoje, é porque alguém a quem os outros ouvem disse que é. E deixará de ser amanhã porque um outro alguém mais influente dirá que os rumos foram alterados. Não é uma questão de tendência prática. Mas de tendência subjetiva. Não existe um raciocínio lógico. Existe apenas um discurso cool feito por alguém que mistura formas e cores com atitude e sagacidade. Sempre me pareceu assim. Até porque, Carrie já saiu de casa com uma bandana colorida eriçada no meio da cabeça. E por mais que eu faça carão, serei motivo de chacota por toda a minha vida se fizer a mesma coisa.
Independente de tudo isso, o filme não é só um desfile de moda. É, assim como era em todos os episódios, um exercício massivo de experimentações. A série talvez seja, em sua essência, a obra que mais mostrou personagens vivendo. Não analisando ou contemplando. Mas vivendo. Se arriscando e sendo atingido. Porque até a aparente escatologia barata com Charlotte se cagando no meio da película, tem sua natureza filosófica. Aquelas criações estão ali para viver. Tudo. Do mais intenso e sofisticado, ao mais banal e jocoso. Como é a vida, aliás. Claro que existe o trator do entretenimento enfeitando de firulas tudo que está em volta. Agindo ostensivamente a favor dessa máquina. E dá-lhe trocas de roupas. E nomes de grifes. E brilhos e glamour. Um invólucro que Nova York recebe com o prazer estimado de sua calejada história.
Ah, Nova York... eu adoraria que meus amigos estivessem certos e que quando eu chegasse por lá, um dia, percebesse que as ruas por onde passavam Carrie e suas amigas não tem a mesma graça quando elas não estão lá. Seria libertador. No entanto, a sensação de que minha ligação com aquela cidade vai além desses julgamentos só cresce. Óbvio que ver as quatro amigas caminhando animadas pela cidade ajuda muito a alimentar essa alienação... mas e daí? Se tem uma coisa da qual me orgulho é dessa alienação. Por Deus, como são boas as horas diante da TV me imbuindo dessa fantasia toda! Não trocaria isso por nenhum senso crítico aguçado-esquerdista que pudesse me tirar o prazer de me envolver, me transformando num cínico de plantão pronto a se tornar incapaz de admirar coisas que não venham do oriente médio.
Enquanto fantasia, eu me jogo na Nova York de Carrie com volúpia. Me jogo na verdade dentro de qualquer mundo que me apeteça da lentidão dramática da vida. Me envolvo e conforto. E tem dias que também sofro. É uma sensação conflitante de admiração por aquele trabalho existir, ao mesmo tempo em que há uma tristeza adocicada por não fazer parte dele. São seis temporadas de puro deleite. E agora, um filme abrilhantado que conta honestamente, algumas lições sobre amor e sobretudo, amizade. Ás vezes dói que minha Miranda, minha Charlotte e minha Samantha não estejam aqui. E que a nossa vida não pule as partes realmente ruins, como acontece com elas. Mas há algumas coisas das quais nunca vou poder deixar de agradecer, e uma delas é ao fato de existirem uma Miranda, uma Charlotte e uma Samantha em minha vida. A outra é de poder dançar comovidamente pela casa quando sobem os créditos. De chorar sem dor quando a história acaba. De sonhar com uma fundição perfeita de vida e fantasia. De me envolver. De sorrir quando a música final sobe e dizer:
- Lindo...
Foram seis anos, trinta minutinhos por episódio, e um longa de puro prazer. De felicidade plena mesmo. Daquelas que todos duvidam que possa existir sem envolver um amor ou um valor. O tipo de felicidade que talvez só a Carrie, abrindo a caixa de seu novo Manolo, comprado com os últimos vinténs, poderia entender. E como ela mesma fazia, ao final de suas colunas, eu pergunto:
Quando foi que começamos a nos envergonhar?
As luzes da minha Nova York já se apagaram. É hora de voltar. Vou dormir, meu Mr.Big me espera.
Get Carried Away